sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A HISTÓRIA DE TITÃ


"Sou um bebê, recém cheguei ao mundo e meus olhinhos ainda não se abriram. Sou o cãozinho do meio de uma ninhada de cinco, e está complicado de conseguir chegar na minha mamãe para mamar, pois meus irmãozinhos disputam comigo as tetas mais cheias de leite!"


Assim foram os primeiros momentos de vida do pequeno cãozinho, que era todo preto apenas as pontas das patas brancas, a pontinha do rabo, o peito e uma pequena pinta na parte de cima do pescoço. De manhã, bem cedinho, a menina Alice recebeu a notícia de que Fifi, a cadelinha da família, havia dado à luz cinco lindos cãezinhos. Ela e Ana, sua irmã adolescente, foram correndo ver os filhotes e se encantaram. Era um mais lindinho que o outro. Ana logo agarrou um cachorrinho bege e, batizando-o de Abel, disse que seria o seu. Nesse instante, a caçula Alice não teve dúvida, pegou o cãozinho preto, disse que seria o seu e colocou nele o nome de Titã, um nome que havia lido em um livro e que faria daquele cãozinho um bravo guerreiro. A mãe das meninas avisou que os cachorrinhos seriam dados e que a família ficaria com apenas um. Cada uma imaginou que o cãozinho que ficaria seria o seu escolhido e não se importaram muito com o fato de ter que doar os demais.


O restante da ninhada eram cadelinhas, que foram batizadas de Rose, Lilica e Bela. Rose tinha a pelagem de Abel e Lilica era pretinha assim como Titã, mas era magrinha e franzina, parecendo que não iria sobreviver. Bela tinha uma aparência só sua: um pelo mesclado, meio cinzento. Era uma alegria só ver aqueles bichinhos dando seus primeiros passinhos e brincando uns com os outros. Logo começaram a reconhecer a família e faziam festinha para ganhar atenção. Abel gostava de brincar de morder os dedos do pé do papai, quando este estava na cozinha tomando café e sempre ganhava um biscoitinho para fazê-lo parar. Titã ficava aos pulinhos na rua, parecia estar chamando para brincar lá fora.


"Estou querendo brincar, mas hoje está muito frio. Tomei um leitinho quente com um pãozinho molhadinho e estou de barriguinha cheia... Acho que o jeito é dormir! Ops! Estou sentindo o cheiro da minha dona! Sim ela está vindo! Viva, ela vai me colocar em seu colo quentinho!"


Alice pegou Titã, mas não para colocá-lo no colo e sim para vesti-lo com uma blusinha de lã que ela mesma havia feito em tricô para seu cãozinho. Ele se sentiu quentinho e ficou com muito ânimo para brincar. Corria com ela de um lado para outro, corriam na rua, corriam em casa, mamãe mandava saírem para não fazerem bagunça. Mas lugar não faltava no largo pátio para se divertirem juntos.


O tempo foi passando e os filhotes foram encontrando novos donos. A primeira foi Bela, entregue a um jovem casal conhecido da família que logo perdeu o contato com eles e a cadelinha nunca mais foi vista. Ana e Alice sentiram saudades, mas consolavam-se brincando com os cãezinhos que consideravam seus.


Rose, em seguida, foi dada a uma amiga de Ana. A garota saiu maravilhada com sua nova cadelinha, que estava linda! Todos ficaram certos de que Rose seria muito bem cuidada. No entanto, pouco tempo depois a menina contou aos prantos para Ana que alguém havia roubado Rose de dentro de seu pátio.


Lilica de franzina não tinha mais nada, pois todo dia a vovó das meninas passava na casa delas para alimentá-la com polenta... Fraquinha, não queria comer, mas vovó, que tanto gostava de cuidar de bichinhos insistia e, aos pouquinhos, Lilica foi se tornando uma cadelinha saudável! Com sua melhora, chegou também um novo dono. Um tio que morava no interior, ao visitar a cidade, resolveu levar consigo a cadelinha... e mais um dos filhotes ganhou um lar.


"Ei, quem está aí passando na frente da minha casa? Tenho que correr para ver... vou latir muito e mandar embora esse invasor... Hum, ainda bem que não quis entrar, por que eu ia colocá-lo para correr. Tenho que proteger minha família e, falando nisso, vou ver minha dona, quero brincar com ela."


Titã correu para os fundos da casa, após desempenhar bravamente seu papel de cão de guarda. Alice estava sentada em seu balanço comendo uma laranja. – Chegou meu cachorrinho comedor de laranjas – e tocava pedaços da laranja para Titã que pulava alto, corria para todos os lados, buscando não deixar os bagaços de laranja caírem ao chão... Alice não sabia que ele não gostava dos bagaços, comia apenas para agradar a amiga, fazia parte da brincadeira.


Abel também queria brincar. Sua dona, Ana, não estava muito preocupada com ele, acabava de arrumar seu primeiro namorado e este era o centro de suas preocupações no momento. Abel queria brincar com Alice também e acabava invadindo o espaço de Titã, ficando um cãozinho contra o outro. Os dois passaram a brigar muito. Já estavam ficando grandinhos e ninguém mais esperava conseguir doar algum deles, mas aquelas brigas começaram a se tornar cada vez mais frequentes. Às vezes, era por causa de um osso, outras vezes por causa de algum brinquedinho... tinham que ficar muito tempo do dia presos pela coleira.


Alice amava Titã, mesmo sabendo das brigas, de vez em quando levava-o para passear pela com uma correntinha que havia comprado com o dinheiro de sua mesada. Titã saía feliz cheirando cada cantinho, às vezes, parecia que ele é que levava sua dona para passear. Não podia ver outro cachorro pela rua, tinha de enfrentá-lo. Era um cachorro muito valente.


Devido às brigas, Alice começou a rejeitar Abel, que estava se tornando um cão de porte bem maior que Titã. Tinha uma aparência de cão bravo, mas na verdade, era muito manso, e um pouco desastrado, só era valente ao brigar com Titã. Certa vez, se pegaram em uma briga, que ninguém viu como começou, tentaram separá-los como sempre faziam, atirando um balde de água fria, mas não adiantou. Alice, preocupada, foi separá-los com as mãos. Ela conseguiu, mas acabou levando uma mordida no polegar. Titã a atingiu, sem querer. Ela não o culpou por isso, apenas colocou um remédio e o tratou, pois estava mais ferido do que ela.


Um dia, o telefone tocou à noite, era o tio que havia ficado com Lilica, perguntando se ainda havia um cãozinho para doar, pois havia um amigo dele interessado. Papai, que atendera o telefone, disse que sim. Ficou combinado que iria buscá-lo no fim de semana.


"Vou lá pedir um colo para ela. Parece triste, quem sabe se brincarmos, ela fica alegre."


Titã correu para os braços de Alice, que estava sentada na escada perto da porta de casa, olhando para ele. Lágrimas escorriam pelo rosto da menina, que ficou sabendo que um dos cãezinhos seria dado e o escolhido era Titã. O cachorro pôs as patinhas em seu colo e lambia sua face, como se quisesse beijá-la para que assim ficasse mais alegre. Alice lhe deu um abraço e prometeu que ninguém iria tirá-lo dela.


À noite, quando seu pai chegou do trabalho, foi falar com ele e pedir-lhe que desse Abel. Papai lhe disse que não, precisava era de um cão de guarda e Abel tinha um porte mais apropriado para isso. A pequena Alice tentou argumentar que Titã era mais bravo e valente, o cão perfeito para cuidar da casa. Papai cortou-lhe dizendo que não importava, pois interessava era o que os outros pensariam ao ver o cão e, nesse sentido, Abel aparentava ser mais perigoso. Alice desesperou-se e gritou com papai, chorou muito e não conseguiu convencê-lo a deixá-la com seu cachorrinho.


"Pessoas estão invadindo o meu pátio, preciso espantá-las, mas não consigo estando preso aqui... o jeito é latir o mais alto que eu puder. Que bom, mamãe está vindo me soltar!"


Havia chegado domingo, e o tio foi buscar Titã para levá-lo ao seu novo dono. Mamãe o pegou com corrente e todos os seus pertences para entregá-lo. Alice estava em desespero, mais uma vez chorou e gritou na tentativa de manter seu cachorrinho perto de si. Mas não adiantou, todos os outros eram a favor daquela separação.


"Onde estou, que lugar estranho é esse que me trouxeram?... Nenhum cheiro familiar, não encontro minha dona, será que fui abandonado aqui? E quem é esse homem que fica me chamando, e me oferecendo comida? Eu não quero a comida dele... eu só quero voltar para minha casa. Quero minha família e até aquele meu irmão bobo. Se esse homem chegar perto de mim, eu mordo ele!"


Titã estava muito inseguro na casa nova, rosnava para seu novo dono e passou alguns dias enfiado em um curto espaço de porão, onde conseguia encaixar seu corpo, sem comer e sem descansar, sempre em alerta. Com o tempo, viu que ninguém viria buscá-lo e que teria de se acostumar com a família e casa novas.


Alice também ficou se sentindo muito mal com a perda do seu cãozinho. Chorou muito, depois o choro virou uma tristeza quieta, um desânimo, uma falta de vontade de brincar, uma falta de vontade de olhar para o pátio. Começou a preferir ficar dentro de casa para não ter mais recordações. E dessa tristeza, com o tempo, restou apenas a saudade daquele companheiro que lhe deixava tão alegre.


Em seguida, Abel morreu por uma doença causada pela falta de alguma vacina. Alice encontrou o maior consolo: saber que sua família não estava muito preocupada com a saúde dos bichinhos e que aquela morte poderia ter acontecido com Titã.


Muito tempo se passou, cerca de quinze anos, e Alice se tornou uma mulher forte e decidida, brava e guerreira, que já havia se formado na faculdade e montado um pet shop. Um dia apareceu na frente de sua loja um cão muito velho e doente, sem dentes, já não enxergava, era um cão todo preto apenas as pontas das patas brancas, a pontinha do rabo, o peito e uma pequena pinta na parte de cima do pescoço. Ela, com muita pena, o pôs para dentro da loja e lhe deu um leitinho quente com pão molhadinho, o vestiu com uma blusinha de lã para que se sentisse quentinho e ajeitou uma caminha para ele.


"Sou um velhinho, já estou me despedindo do mundo e meus olhos breve fecharão; mas agora, velha amiga, não será uma despedida, apenas um breve reencontro."

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